UM MESTRE CONTADOR DE HISTÓRIAS – *Laura Esteves
UM MESTRE CONTADOR DE HISTÓRIAS Laura Esteves*
Escrever é ter pontaria…Em outras palavras é pegar pelo rabo o lapso do bom senso…João Gilberto Noll
Em meados de fevereiro de 2020, bastante curiosa, recebi das mãos de Luiz Otávio Oliani os originais de “Ingênuos, Pueris, Tolinhos”. Já havia lido e relido, anteriormente, seu primeiro livro de minicontos “A vida sem disfarces” e já conhecia, também, seus belos poemas.
No decorrer da leitura fui assaltada por diferentes sentimentos: alegria, tristeza, compaixão, espanto. É que Oliani sabe, e muito bem, retirar pepitas do seu cotidiano e transformá-las emarte, em escrita. Seus personagens surgem da observação do dia a dia: família, rua, escola, padaria, supermercado… Ali, estão professores, alunos, pais, filhos, situações de bullying, de inversão de valores, crianças ansiosas…
Vivências infantis, seu principal enfoque. É quando o autor, como ele mesmo diz na apresentação do livro, se torna criança também e procura se conhecer mais.
Aprender/ ensinar /transformar em arte. Trinômio perfeito!
Essa, a proposta do nosso professor- escritor. E a arte do miniconto, não é para qualquer um. Pressupõe excelente domínio da palavra. É a síntese da criatividade.
Concisão, subtexto, sugerir sem dizer tudo e criar uma trama certeira, deixar o leitor preencher os espaços em branco, o não dito.
Vejamos:
Pai ausente
– Onde estão seus novos óculos, filho? Foi na ótica pegar? – Pai, tem uma hora que o senhor tá conversando comigo. Ainda não olhou para a minha cara?
Na história acima não encontramos uma narrativa convencional. Cabe ao leitor exercitar a imaginação, interpretar, criar com a sua experiência de vida, com os seus conhecimentos, o que está colocado por detrás do texto, refletir sobre a situação apresentada. E perguntas surgem, automaticamente: o que aconteceu com essa família, solidão? O que significa essa ausência do pai, desamor? A criança percebeu que sofre? Passamos a coautores do conto. Mas, generoso, nosso escritor, com maestria, utiliza recursos que facilitam o entendimento do texto. Abertura, narratividade, efeito, exatidão. E, ao final, como esperado, a perplexidade, o estranhamento.
Através de seus textos, somos obrigados a olhar as “coisas pequenas”, que acontecem diariamente em nossas vidas e que, muitas vezes, nem percebemos.
Em “Ingênuos, Pueris, Tolinhos” estão explicitados os pequenos momentos vivenciados ao longo do seu caminho como ser humano, como professor.
Alquimista da palavra, com olhar crítico, mistura ironia, sofrimento, alegria, angústia, reflexão, poesia, humor e, nos proporciona, ao final, uma poção mágica de lirismo e espanto. Espanto, repito. Alguns textos, pelo lirismo, se aproximam da prosa poética, prima irmã do miniconto. Afinal, não podemos esquecer que Oliani é um poeta, um exímio autor de versos. Reparem como a poesia está presente nesse belo texto abaixo, que me lembrou Galeano.A força da arte
No sertão, tudo seco: plantações, gado, natureza. Lavradores em desespero.Vendo a situação do pai, a filha foi para a escolinha. Andou, andou e andou e, lá chegando, pegou um papel minúsculo e desenhou com tanta muita paixão nuvens a desaguar. Foi uma premonição. Choveu no papel e, também, na vida real.
No conto “Um pequeno passeio” nosso autor se supera. É quando ele funde o universo mágico com a realidade – realismo fantástico – e nos proporciona um belo texto, que, no meu caso particular, me fez retornar ao passado, à infância, aos seis anos de idade, quando, no quintal da minha casa no Engenho Novo, eu cavava buracos. Tinha certeza de que chegaria ao outro lado da Terra. Encontraria os meus antípodas. Antípodas! Havia aprendido a palavra com o meu pai. Achava o máximo. Obrigada pela emoção, Oliani. Importante ressaltar que em toda a Literatura sempre existiu micro gêneros literários. Epigramas, fábulas, haicais, aforismos…
Desde Edgar Alan Poe, as narrativas curtas, os minicontos, vêm ganhando espaço na Literatura. Desenvolveram-se, no século XX, principalmente, nas Américas e têm muito a ver com os novos tempos: blogs, celulares, internet e zaps, conquistando cada vez mais escritores e leitores. Grandes autores, no Brasil e no mundo, se dedicaram e se dedicam ao gênero: Marina Colasanti, Dalton Trevisan, Juan José Arreula, Augusto Monterosso. Congressos literários, teses e antologias já foram dedicados ao tema. A mais importante antologia foi organizada por Marcelino Freire: “Os cem menores contos brasileiros do século”.
Com certeza nosso Luiz Otávio Oliani, com seu alto poder de realização literária, estará na próxima.
Parabéns poeta, professor, contista!
* Laura Esteves é poeta, contista e roteirista.
